Por que Agatha Christie ainda domina o imaginário do crime e do mistério

A escritora inglesa transformou o romance policial em espelho da sociedade e segue inspirando leitores e autoras

por Isadora Ferreira

Antes que o crime virasse entretenimento em séries e podcasts, uma mulher inglesa já fazia o mundo tentar decifrar assassinos e enigmas de dentro de casa. Agatha Christie, nascida em 1890, revolucionou a literatura policial ao transformar o mistério em uma ferramenta de análise do comportamento humano, e não apenas um jogo de quem matou.

Autodidata, ela começou a escrever durante a Primeira Guerra Mundial, enquanto trabalhava como enfermeira e farmacêutica. Da rotina nos hospitais vieram os detalhes técnicos que tornariam seus livros precisos e realistas. Em 1920, publicou O Misterioso Caso de Styles, que apresentou ao público o detetive Hercule Poirot. O estrangeiro perspicaz e brilhante foi inspirado em soldados belgas refugiados na Inglaterra, e Christie chegou a declarar que, apesar de amá-lo, considerava o personagem “insuportável” nos últimos anos. Mesmo assim, ele se tornou um dos detetives mais famosos da literatura mundial, ao lado de Sherlock Holmes. Era o início de uma nova forma de narrar o crime: mais psicológica, menos moralista e protagonizada por mentes afiadas.

Ao longo da vida, Christie escreveu 66 romances, 14 coletâneas de contos e diversas peças de teatro. Tornou-se a autora mais vendida do mundo, com mais de 2 bilhões de exemplares traduzidos, número que a coloca atrás apenas da Bíblia e de Shakespeare. Além dos recordes, foi uma das primeiras mulheres a conquistar prestígio em um gênero literário dominado por homens.

Agatha Christie lendo um livro P&B
Miss Marple, uma de suas personagens mais icônicas, sintetiza esse feito: uma senhora aparentemente frágil que resolve crimes com a força da observação e do raciocínio, desafiando estereótipos de gênero e idade. Outra curiosidade é que, por trás da serenidade da autora, havia uma mulher ousada e curiosa: apaixonada por arqueologia, acompanhou escavações no Oriente Médio com o segundo marido, o arqueólogo Max Mallowan, experiências que serviram de pano de fundo para obras como Morte no Nilo e Encontro com a Morte.

Mais de cem anos depois, sua influência segue evidente em escritoras contemporâneas como Gillian Flynn (Garota Exemplar), Paula Hawkins (A Garota no Trem) e Lucy Foley (O Casamento). No cinema, novas adaptações como Morte no Nilo (2022) e Assassinato no Expresso do Oriente (2017) provam que suas tramas continuam a intrigar o público moderno. Christie também detém o recorde da peça mais longeva da história: A Ratoeira, em cartaz em Londres desde 1952, com mais de 28 mil apresentações.

Afinal, Agatha Christie não escreveu apenas sobre crimes. Escreveu sobre as motivações humanas, e talvez seja por isso que, tanto tempo depois, ainda lemos suas histórias tentando decifrar não apenas o assassino, mas também a nós mesmos.

Mais do que uma autora, ela foi uma pioneira. Em uma época em que poucas mulheres tinham voz, ela usou a ficção para questionar papéis, desafiar convenções e provar que a inteligência feminina podia ser tão letal (e fascinante) quanto qualquer mistério. Seu legado segue vivo em cada mulher que escreve, investiga ou simplesmente ousa pensar diferente.

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