Sul Fluminense
O Agosto Lilás é uma campanha nacional brasileira de conscientização pelo fim da violência contra a mulher. Criada para marcar o aniversário da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), sancionada em 7 de agosto de 2006, o mês é dedicado a ações educativas, de prevenção e combate à violência doméstica e de gênero.
Embora muitas vezes associada à violência doméstica, é fundamental entender que a violência contra a mulher também está presente no ambiente de trabalho, em formas muitas vezes invisíveis, mas profundamente danosas.
Como advogada atuante há anos na área trabalhista, pude acompanhar inúmeros casos que escancaram uma dura realidade: o local de trabalho, que deveria ser espaço de respeito e desenvolvimento profissional, ainda é palco de assédios, discriminação e outras formas de violência contra mulheres.
Recentemente, o Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro condenou uma grande metalúrgica do Sul Fluminense a pagar uma indenização por danos morais e pensão mensal a uma ex-funcionária que provou ter sofrido assédio moral por anos, vindo a desenvolver depressão e ansiedade.
A violência no trabalho é real, e tem muitas formas
A violência contra a mulher no trabalho é real e pode se manifestar de diferentes formas, algumas sutis, outras explícitas, mas todas são graves e merecem atenção. Vamos falar um pouco sobre algumas:
- Violência moral e psicológica
Caracteriza-se por humilhações, xingamentos, constrangimentos repetitivos ou exposição da mulher a situações degradantes. Pode ocorrer por meio de gritos, sarcasmo, exclusão ou imposição de metas inatingíveis com o intuito de desestabilizar a vítima. Por vezes acontece por meio de manipulações, ameaças, isolamento ou desvalorização do trabalho da mulher, levando ao adoecimento emocional.
- Violência sexual
Inclui cantadas, toques sem consentimento, insinuações, convites constrangedores ou qualquer tipo de abordagem de cunho sexual. É uma das formas mais silenciadas de violência no ambiente profissional.
- Violência institucional
Ocorre quando a própria empresa, por meio de práticas ou omissões, contribui para a perpetuação da violência, seja pela ausência de canais de denúncia, pela negligência diante de reclamações, ou até pela revitimização da mulher que ousa falar.
O que diz a legislação brasileira?
A proteção jurídica à mulher em situação de violência no trabalho existe. Podemos destacar:
Constituição Federal (CF/88)
A nossa Constituição é a base de todo o ordenamento jurídico brasileiro, e garante expressamente a igualdade entre homens e mulheres (art. 5º, inciso I). Ela também proíbe qualquer tipo de discriminação e assegura o direito à dignidade, à segurança e à saúde (art. 1º, III e art. 6º).
Além disso, o artigo 7º, inciso XXX, proíbe a diferença de salários e critérios de admissão por motivo de sexo, e o artigo 10, inciso II, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias proíbe a dispensa arbitrária da gestante desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto — uma medida de proteção contra demissões discriminatórias.
Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006)
Embora voltada inicialmente à violência doméstica, seu alcance foi ampliado e pode ser aplicada a casos de violência de gênero em ambientes profissionais, principalmente quando há relação de poder, controle e violação da dignidade da mulher.
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e Código Civil
A CLT protege o trabalhador contra o assédio moral e sexual, possibilitando a rescisão indireta do contrato (art. 483 / CLT) quando comprovado que a empresa tornou o ambiente insuportável. Além disso, a empresa pode ser responsabilizada civilmente em danos morais (art. 927 / CC) e pensão mensal (art. 950 / CC) em caso do adoecimento da vítima que a impossibilite de exercer suas funções.
Protocolo para julgamento sob a perspectiva de gênero do CNJ
Instituído em 2021 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tem como objetivo orientar os juízes na adoção de diretrizes que promovam uma atuação judicial comprometida com a equidade entre homens e mulheres, contribuindo para um novo posicionamento do Judiciário frente às questões de gênero.
Os desafios enfrentados pelas mulheres
Infelizmente, mesmo com o amparo legal, muitas mulheres enfrentam obstáculos reais ao buscar justiça ou proteção:
* Medo de perder o emprego;
* Receio de não ser acreditada;
* Falta de apoio da liderança ou colegas;
* Lentidão no andamento de processos internos e judiciais.
Esses fatores criam um ciclo de silêncio e impunidade, que perpetua a violência e prejudica a saúde física e mental da mulher. Por isso, é essencial que haja rede de apoio e comprometimento das empresas e das instituições públicas na garantia de um ambiente de trabalho digno.
Orientações práticas e jurídicas para quem está passando por isso
Se você está enfrentando alguma forma de violência no ambiente de trabalho, saiba que não está sozinha, e que há caminhos legais e seguros para buscar ajuda:
- Documente tudo: anote datas, locais, frases ditas, e-mails, testemunhas, print de WhatsApp e redes sociais. Toda prova pode ser essencial.
- Procure apoio psicológico: o sofrimento emocional é real e deve ser tratado com cuidado.
- Busque o RH ou canal de denúncia da empresa: relatar formalmente é essencial.
- Consulte um advogado de sua confiança: orientação profissional é fundamental para proteger seus direitos.
- Denuncie às autoridades: o MPT, as Delegacias da Mulher e os tribunais trabalhistas estão à disposição para apurar e coibir abusos.
- Não se culpe: a responsabilidade nunca é da vítima. A violência é sempre culpa de quem a comete.
Romper o silêncio é um ato de coragem e transformação
O Agosto Lilás é um chamado à ação, não apenas para as mulheres, mas para toda a sociedade. Denunciar, acolher, apoiar e responsabilizar são verbos que precisam ser conjugados diariamente para transformar o mundo do trabalho em um espaço de igualdade, respeito e segurança.