Sul Fluminense
Quando falamos em “doenças raras”, a primeira impressão é que são poucas, distantes da nossa realidade. Mas é assim mesmo?
No Brasil, uma doença é considerada rara quando afeta até 65 pessoas em cada 100 mil, e são descritas centenas de doenças consideradas raras.
Se individualmente elas são pouco frequentes, quando pensamos nelas juntas, as doenças raras atingem milhões de pessoas! Muitas delas são crônicas, progressivas e, em grande parte (mas não exclusivamente), de origem genética.
As doenças raras trazem vários desafios para as famílias, para as escolas, para os profissionais de saúde, para os gestores públicos e para a sociedade em geral. O primeiro grande desafio é a odisseia diagnóstica.
Entre a percepção de que algo não vai bem com a saúde ou com o desenvolvimento da criança, o acesso à investigação adequada e à confirmação do diagnóstico para início de tratamento, pode haver uma distância de muitos meses — muitas vezes, de anos!
E sabemos que o diagnóstico e tratamento precoces na maioria dos casos é fundamental para melhor qualidade de vida e prevenção de sequelas. Tempo é cérebro, tempo é vida!
O ideal seria que conseguíssemos diagnosticar as condições raras antes da sua manifestação clínica, o que é o grande objetivo do teste de triagem neonatal, o famoso Teste do Pezinho.
Apesar do Brasil estar avançando na quantidade de doenças pesquisadas pelo Teste, muitas doenças ainda ficam de fora da triagem. É por isso que precisamos conscientizar a população e os profissionais de saúde sobre os sinais de alerta para suspeitar de uma doença rara.
O que pode indicar uma doença rara?
Um único sinal isolado raramente significa uma doença rara. O que levanta a suspeita é a persistência, a progressão, a atipicidade, o envolvimento de múltiplos sistemas ou a sensação de que “algo não se encaixa”.
Um importante sinal de alerta é a regressão de habilidades já aprendidas pela criança, como uma criança que falava parar de falar, uma criança que se sentava, ficar mais hipotônica, “molinha” e não conseguir mais nem sustentar o pescoço.
Outros exemplos de sinais neurológicos de alerta para a possibilidade de doenças raras são o aparecimento de crises epilépticas que não melhoram com as medicações e que se relacionam com atraso do desenvolvimento, alterações do jeito de andar, alterações de equilíbrio, presença de movimentos anormais ou alterações do tamanho da cabeça, seja grande demais (macrocefalia) ou pequena demais (microcefalia).
Outro grupo de sinais e sintomas que podem ser considerados como de alerta são os de alterações metabólicas e digestivas, quando recorrentes e inexplicáveis, como vômitos intratáveis, hipoglicemia, cansaço extremo, odores corporais anormais, atraso no ganho de peso ou estatura, trazendo uma falha no crescimento.
Características físicas atípicas, tecnicamente chamadas de dismorfismos também devem ser observados e investigados. Alguns formatos de olhos, orelhas, nariz ou características faciais podem parecem “diferentes” e estarem associados a síndromes.
Da mesma forma, dedos extras (polidactilia), fusão de dedos (sindactilia), malformações ósseas, manchas “café com leite” (mais de 6 manchas com mais de 0,5cm) e lesões atípicas na pele são exemplos alterações que merecem atenção.
É importante lembrar, entretanto, que dismorfismos são importantes quando múltiplos ou associados a outros sintomas.
A importância da escuta ativa e da intuição
Devemos estar em alerta quando diante de situações comuns de saúde que se comportem de forma anormal, persistente, progressiva, envolvendo vários sistemas como infecções de repetição, problemas cardíacos, renais, oculares ou auditivos que se somam e não têm uma explicação única, ou dor crônica sem causa aparente e ainda deterioração inexplicável da saúde geral da criança.
Se você é mãe, pai ou cuidador(a) de uma criança com algum desses sinais de alerta, confie na sua intuição. Se algo não parece certo com seu filho, procure ajuda. A intuição dos pais é um sinal valioso.
Infelizmente, nem sempre a suspeita dos pais é valorizada pelos profissionais de saúde e ouve-se a famosa frase “cada criança tem seu tempo”.
O problema é que podemos perder um valioso tempo de diagnóstico e tratamento esperando o “tempo” da criança. Não hesite em buscar uma segunda opinião. Procure saber se há serviço de saúde especializado e procure uma nova avaliação. É um direito e, muitas vezes, necessário.
Mantenha um registro, anote quando os sintomas começaram, a frequência, o que melhora ou piora. Isso ajuda muito o médico e torna sua suspeita mais objetiva.
Profissionais de saúde: atenção aos sinais
Se você é profissional de saúde atuante principalmente na atenção básica, esteja atento às “bandeiras vermelhas”, valorize a queixa do cuidador e colha uma história clínica completa.
Observe o desenvolvimento e registre na Caderneta da Criança os marcos do desenvolvimento, conforme o esperado para a idade.
Lembre-se de que o atraso ou regressão de habilidades é um importante sinal de alerta para o diagnóstico de uma doença rara. Se tiver dúvidas, encaminhe.
É melhor encaminhar a um especialista (geneticista, neuropediatra) para uma avaliação mais profunda do que atrasar um possível diagnóstico.
A detecção precoce de sinais e sintomas atípicos é o primeiro e mais importante passo na jornada de uma criança com doença rara. Juntos, com observação atenta e ação informada, podemos fazer a diferença na vida dessas crianças e de suas famílias, oferecendo-lhes a chance de um futuro com mais qualidade e dignidade.

Clarisse Pereira Dias Drumond Fortes
Neuropediatra, Mestre em Saúde Coletiva, Doutora em Saúde da Criança e do Adolescente, Subinvestigadora no Centro de Pesquisas de Doenças Neuromusculares do IPPMG/ UFRJ, Professora universitária no UniFOA
