Opinião
Em meio ao mês em que se celebram os 92 anos da instituição do voto feminino no Brasil, é necessário lembrar que esta conquista não foi um presente, mas fruto de décadas de luta e mobilização coletiva. O direito de votar e ser votada, reconhecido em 1932, marcou um avanço civilizatório na consolidação da democracia brasileira.
Hoje, as mulheres representam a maioria do eleitorado do país. São mais de 81,8 milhões de eleitoras, o equivalente a 52,47% do total, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE, 2024). Destas, 20 milhões estão na faixa etária entre 45 e 59 anos. Os homens somam cerca de 74,1 milhões de eleitores, o que corresponde a 47,51%.

Fonte: TSE, 2024.
Esse dado revela não apenas força numérica, mas também uma responsabilidade coletiva: a de garantir que as políticas públicas atendam de forma concreta às necessidades das mulheres, que ainda enfrentam desigualdades históricas e estruturais.
O voto feminino como instrumento de poder masculino
Apesar dos avanços, é preciso reconhecer uma realidade incômoda e estrutural: o voto feminino tem sido, muitas vezes, instrumentalizado como uma forma de violência política contra as próprias mulheres. Homens em posições de poder se beneficiam massivamente dos votos femininos para alcançar cargos eletivos, mas convertem essa legitimidade democrática em políticas que raramente atendem às necessidades femininas.
Trata-se de uma apropriação silenciosa, mas persistente. O voto da maioria do eleitorado é usado para garantir poder, prestígio e acesso a recursos públicos, mas o retorno dado às mulheres é mínimo — políticas insuficientes, subfinanciadas ou simplesmente inexistentes. É uma relação de exploração política: colhem os benefícios do voto feminino enquanto mantêm intactas as estruturas de desigualdade que os favorecem.
Essa dinâmica configura uma forma sutil, porém devastadora, de violência política de gênero. As mulheres concedem legitimidade democrática, sustentam carreiras políticas e elegem representantes que, uma vez no poder, ignoram sistematicamente suas demandas. Quantos políticos eleitos majoritariamente por mulheres lutam de fato por creches em tempo integral? Quantos priorizam o combate à violência doméstica? Quantos defendem igualdade salarial com a mesma força com que pedem votos?
A sub-representação feminina nos espaços de poder não é acidental, mas funcional a esse sistema. Enquanto os homens ocupam a maioria dos cargos decisórios, continuam se beneficiando do voto feminino sem o compromisso de transformar a realidade das mulheres.
A dívida histórica e o compromisso necessário
Apesar de serem maioria entre os eleitores, as mulheres ainda enfrentam disparidades salariais, sobrecarga com trabalho doméstico e de cuidado não remunerado, violência de gênero e sub-representação nos espaços de poder. É fundamental que o Estado brasileiro reconheça essas questões e implemente políticas públicas robustas voltadas para a equidade de gênero, incluindo creches em tempo integral, combate à violência doméstica, igualdade salarial e incentivo à participação feminina na política.
A equidade de gênero não é apenas uma pauta feminina, mas uma responsabilidade de toda a sociedade. Os homens, especialmente aqueles que ocupam cargos conquistados com votos femininos, têm uma dívida histórica e democrática a saldar. Precisam enxergar as desigualdades estruturais, posicionar-se ativamente contra a violência às mulheres e, principalmente, comprometer-se de verdade com o desenvolvimento de políticas públicas baseadas no respeito e no direito à igualdade. Combater o machismo, desconstruir privilégios e promover ambientes seguros e igualitários não são gestos de bondade: são obrigações democráticas para com a maioria do eleitorado.
Celebrar o dia da instituição do direito ao voto feminino é também denunciar sua instrumentalização. Além de cobrar o fim da violência política silenciosa que transforma a participação das mulheres em combustível para a manutenção do poder masculino. É exigir que o voto feminino deixe de ser apenas utilizado e passe a ser efetivamente honrado com políticas públicas concretas que transformem as realidades das mulheres, não apenas em promessas de campanha esquecidas após a posse.
O voto feminino não pode continuar sendo extraído sem retorno. A democracia brasileira só será plena quando a maioria do eleitorado tiver suas demandas reconhecidas como prioridade política, não como favor.

