Sete em cada dez lares chefiados por mulheres negras vivem com um salário mínimo

Maioria absoluta desses domicílios está na base da pirâmide de renda, com maior risco de fome, informalidade no trabalho e exposição à violência

por Maria Eduarda

Cerca de 70% dos domicílios chefiados por mulheres pretas e pardas no Brasil sobrevivem com rendimento mensal per capita de até um salário mínimo, segundo o Relatório Anual Socioeconômico da Mulher (RASEAM, 2025). O dado, referente a 2023, posiciona esses lares no piso da pirâmide de renda e está associado a maior incidência de insegurança alimentar, informalidade no trabalho e menor acesso a políticas de cuidado, como creches.

No ano da coleta dos dados, viver com até um salário mínimo por pessoa era a realidade da maioria absoluta dos lares chefiados por mulheres pretas e pardas no país. Isso significa que, em sete de cada dez casas, o dinheiro disponível mal cobre as despesas mais básicas, como alimentação, contas de água e luz e itens de higiene. Entre os domicílios liderados por mulheres brancas, essa condição atinge menos da metade. A diferença revela que a cor da pele ainda interfere diretamente na chance de uma mulher conseguir sustentar sua família com um mínimo de estabilidade. No entanto, a diferença de gênero ainda é maior do que o contraste salarial entre mulheres brancas e negras. Homens lideram disparado no mercado de trabalho.

Levantamento  do Diário Delas mostra realidade no Sul Fluminense

A realidade enfrentada diariamente por mulheres que sustentam sozinhas suas famílias no Sul Fluminense aparece de forma concreta no custo de vida. Um levantamento feito pelo Diário Delas mostra que, em Volta Redonda, a maior cidade da região em população, manter uma casa básica consome quase toda a renda disponível. Aluguéis de kitnets ou imóveis pequenos nas áreas mais acessíveis variam entre R$ 800 e R$ 1.200, valor que compromete grande parte do salário de quem está nas faixas mais baixas de rendimento. No supermercado, itens essenciais como arroz, feijão, leite e óleo já pressionam o orçamento, enquanto contas de luz, água, gás, internet e transporte completam uma rotina de gastos difícil de equilibrar. Na prática, o dinheiro acaba ainda no início do mês, e muitas famílias precisam escolher o que pagar primeiro para conseguir seguir.

Mais do que ganhar menos, mulheres ocupam os postos de desvantagem do mercado de trabalho. Segundo o relatório, a informalidade atinge 41% das mulheres pretas e pardas, o que significa ausência de carteira assinada, 13º salário, férias remuneradas e proteção contra demissão. Em regiões como Norte e Nordeste, essa realidade alcança quase metade das trabalhadoras negras. O relatório mostra ainda que o trabalho doméstico segue como a principal porta de entrada profissional para milhões de brasileiras, mas com baixo grau de formalização. Das 5,4 milhões de mulheres nessa ocupação, apenas 23,9% possuem vínculo legal. Na prática, isso mantém uma parcela expressiva da população feminina presa a empregos sem estabilidade e sem perspectiva de ascensão.

Fora do mercado de trabalho formal, muitas mulheres fazem do cuidado uma jornada sem salário e sem descanso. Os dados mostram que pouco mais da metade das brasileiras em idade ativa está economicamente ocupada, bem abaixo da presença masculina, e que a falta de acesso à creche é um dos principais freios à autonomia. Quando os filhos pequenos estão fora da escola, menos da metade das mães consegue trabalhar; quando estão na creche, a inserção no mercado cresce de forma significativa. Ao mesmo tempo, a instabilidade financeira convive com outro risco permanente: a violência. Isto é, mulheres que dependem financeiramente de homens estão mais propensas à sofrerem algum tipo de violência. Só no primeiro semestre de 2024, mais de 322 mil mulheres recorreram ao Ligue 180. A maioria das agressões parte de homens e quase metade é reincidente. O relatório mostra que a desigualdade de renda, a sobrecarga do cuidado e a violência não são crises separadas, mas partes de um mesmo cenário de insegurança cotidiana.

 

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